quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser a pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar de procurar.

(...)
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo senntia o grande esforço de construção que era viver. A idéia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que plantava no chão. Mas e agora? Estarei mais livre?



- A Paixão segundo G.H. (Clarice Lispector)